18 de outubro de 2007

CRÔNICA DE UM GUERREIRO NO FIM.

É uma noite fria e escura, o denso ar sai das minhas narinas de forma gélida e seca. Quase não inspiro. No meio da névoa tento distinguir as memórias da realidade. As palavras daquele velho sábio não saem da minha cabeça: “Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”.

O peso da responsabilidade continua a me incomodar, mas logo estarei recebendo a vitória. A dor vem. Ela vem paradoxalmente me lembrar que ainda tenho vida, mas que a morte chega. Estou no fim. São nesses momentos que perguntamos: Quantos anos são necessários para fazer valer a vida de um homem? Talvez fossem 33. Ele fez valer. Muito mais a vida de todos que salvou do que a sua própria.

Se Cristo fosse um soldado, ele seria da infantaria. Avistou o inimigo, fitou e foi em frente, certo, como alguém que sabe que é inevitável ser atingido por uma bala perdida. Mas ele deu mais do que a vida, ele deu o exemplo. Jesus não lutou com armas, ele lutou com exemplo, esse não pode ser destruído, não acaba o cartucho, não se esvazia. Esse é eterno.

Ah! Se eu pudesse ter as virtudes daquele guerreiro. Ele sabia que sua morte significava o inicio de todas as vitórias. Como medir um homem desses? Como dizer quanto ele valia? Como dizer que a vida é preciosa diante de tal dignidade? Sendo assim, começo por procurar o que de valioso tive na vida.

Suspiro. Procuro minhas últimas forças. A mão trêmula tenta controlar a caneta. Eu a ajudo. Lembro-me do quanto fui forte, de quantas batalhas venci, de quantos inimigos derrotei. Encorajo-a: Vamos! Quantas vidas você já carregou? Mas essa é a imagem de um guerreiro abatido. É necessário implorar ao corpo para que responda. Apesar disso, não preciso mais dele. Já tenho em que me gloriar. Conheci ao Senhor.

Está chegando o fim. Não tenho mais inimigos. Aos companheiros, deixo a saudade. A família, o legado. A minha esposa, meu eterno amor. Aos meus filhos, o exemplo. Mas a pergunta não cala. Quantos anos são necessários para fazer valer a vida de um homem? No fim me entrego a morte como me entrego a resposta. Nenhum. O verdadeiro valor de um homem só é dado depois que ele morre. Cristo sabia disso.

Sabemos que, se a nossa casa terrestre deste tabernáculo se desfizer, temos da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus. E, por isso, neste tabernáculo, gememos, aspirando por sermos revestidos da nossa habitação celestial; se, todavia, formos encontrados vestidos e não nus. Pois, na verdade, os que estamos neste tabernáculo gememos angustiados, não por querermos ser despidos, mas revestidos, para que o mortal seja absorvido pela vida. Ora, foi o próprio Deus quem nos preparou para isto, outorgando-nos o penhor do Espírito. Temos, portanto, sempre bom ânimo, sabendo que, enquanto no corpo, estamos ausentes do Senhor; visto que andamos por fé e não por vista. Entretanto, estamos em plena confiança, preferindo deixar o corpo e habitar com o Senhor.
II Coríntios 5:1-8


Devaneio: Samuel Dantas